Lucas Aguiar e Julianne Barreto
Saber enxergar oportunidades de mercado é uma das competências mais importantes para quem deseja montar o próprio negócio. E é isso que empreendedoras potiguares têm percebido na preocupação crescente com mais saúde e qualidade de vida entre a população, o que tem estimulado a abertura de negócios de confeitaria inclusiva no estado. Um novo ramo da gastronomia que tem como desafio tornar receitas tradicionais acessíveis a quem tem restrições alimentares.
“Hoje em dia, todo mundo conhece alguém ou tem alguém na família com alguma restrição alimentar. Meus principais clientes são intolerantes a glúten e lactose e diabéticos, mas também veganos e pessoas que querem ter uma alimentação mais saudável, com menos ingredientes industrializados”, explica a culinarista e designer de interiores Fernanda Araze, que tem uma empresa de doces saudáveis desde 2018, na capital.


Ela conta que a elaboração dos produtos começou por um interesse pessoal em se alimentar de forma mais saudável, optando por produtos artesanais. A curiosidade se tornou motivo de estudo e, depois, resultou na criação de doces sem adição de açúcar, para consumo próprio e para presentear amigos. O que começou como hobby se transformou em negócio quando ela percebeu a demanda por esse tipo de produto.
“Eu comecei a vender os doces no centro onde eu treinava. Os outros alunos gostaram muito, na época eram ovos de Páscoa, e começaram a dizer que eu deveria investir no ramo. Foi aí que passei a pesquisar cada vez mais sobre técnicas de preparação e a desenvolver novos produtos”, explica a empreendedora.


Hoje, a empresa funciona com uma loja virtual e é a principal atividade profissional de Fernanda, que trabalha com uma grande diversidade de produtos sem açúcar, glúten e lactose, como bolos, cookies, barras de cereais, pastas de oleaginosas, chocolates e também tortas saudáveis para aniversários e outras celebrações, essas vendidas por encomenda.
Para Fernanda, é um mercado com uma demanda crescente a cada ano, mas que também possui desafios a serem superados para um maior crescimento das empresas do ramo. Um deles, segundo ela, é o valor dos insumos, que acaba sendo repassado para o consumidor, tornando os produtos inclusivos mais caros em relação aos doces tradicionais. Além disso, são necessários estudos e técnicas para que as substituições de ingredientes preservem o sabor e a identidade das receitas de confeitaria.


“No primeiro Natal, por exemplo, vendi 30 panetones. No seguinte, a venda era de 30 por semana. Cada vez mais, as pessoas têm descoberto intolerâncias e alergias alimentares e precisam desse cuidado a mais. Ao mesmo tempo, existem muitas confeitarias, mas não é todo confeiteiro que sabe preparar doces sem açúcar, sem leite, sem trigo ou sem ovos. Por isso, a meta da minha empresa é ampliar cada vez mais a variedade de produtos, com opções também de salgados”, afirma.
Cuidado e inclusão em forma de sabor
Foi também observando o crescimento do mercado de alimentação saudável que a culinarista Clô Alves decidiu transformar o conhecimento adquirido em oito anos estudando e produzindo doces e salgados inclusivos em cursos e workshops. Atualmente, ela trabalha treinando empreendedores para a preparação de produtos sem glúten, sem lactose e sem açúcar. Entre os alunos, estão também pessoas com restrições alimentares que querem aprender a fazer os próprios produtos inclusivos para consumo em casa.
São cursos que têm módulos específicos sobre pães, bolos e sobremesas sem glúten, sem açúcar, sem lactose ou totalmente sem lácteos. Os módulos são elaborados pensando nas diferentes restrições alimentares. Para pessoas diabéticas, existe a opção de receitas “low carb”, com o uso apenas de farinhas com baixo teor de carboidratos.
“O principal desafio é garantir que os produtos mantenham o sabor e a qualidade e, ao mesmo tempo, atendam às necessidades específicas de cada restrição alimentar. Encontrar ingredientes que substituam os tradicionais, sem perder o sabor e a textura, exige muita pesquisa e experimentação.”


Ela conta que, quando começou o negócio, em 2017, a principal preocupação era com a substituição do açúcar. Mas, logo, percebeu uma grande demanda por produtos voltados para outras restrições alimentares.
“Eu nem imaginava que existiam tantas pessoas com restrições alimentares. Daí, comecei a estudar e me apaixonei pela área. Busquei cursos de alimentação funcional, de alimentação sem glúten e sem lactose. Além de estudar muito sobre os benefícios da alimentação para a saúde”, explica Clô Alves.
Para quem tem restrições alimentares, o crescimento de negócios de alimentação inclusiva significa, cada vez mais, poder participar de celebrações importantes entre amigos e familiares. Poder experimentar um bolo de aniversário ou dividir um doce com alguém querido, algo rotineiro para grande parte das pessoas.


“A comida, para todos nós, é também um ponto de prazer e bem-estar. Então, para as pessoas que têm algum nível de alergia, sensibilidade ou intolerância, ter no mercado essas opções, sem os ingredientes que causam desconforto, faz com que elas se sintam mais incluídas nesses momentos de refeição, que são momentos de confraternização. E pessoas que não têm restrições podem consumir também, porque temos atualmente várias empresas que fazem produtos muito saborosos”, detalha a nutricionista Mariana França.
A nutricionista reforça ainda que trabalhar com alimentação e saúde, além de exigir cuidado com o outro, demanda também responsabilidade. A especialista destaca que é essencial, por exemplo, informar com clareza os clientes sobre a composição e o preparo dos produtos.
“É sempre necessário explicar para o consumidor os produtos utilizados, por meio de rótulos e etiquetas. E, se for produzir algo personalizado, é sempre bom perguntar qual é a intolerância ou alergia do cliente, para saber se seu produto tem condições de atender às necessidades daquela pessoa, garantindo segurança no consumo.”
Empreender com estratégia
Investir em um ramo considerado novo no mercado exige coragem, persistência e também constante busca por conhecimento. No segmento de alimentação, essas informações envolvem estratégias de negócios, técnicas culinárias e também regras sanitárias vigentes para a manipulação, identificação e venda desses produtos. Para isso, procurar instituições e entidades de ensino e capacitação é um caminho importante a ser percorrido por quem deseja empreender.


“No segmento de alimentação, questões como aparência e sabor sempre foram critérios de excelência. Com o aumento significativo de pessoas com restrições alimentares, outros critérios passaram a fazer parte da decisão de compra. O consumidor está mais atento, por exemplo, a pontos que já são exigidos por lei, como a identificação de ingredientes alergênicos. Além disso, muitos desses produtos são mais perecíveis, o que exige um outro olhar sobre a logística e o armazenamento”, ressalta Thales Medeiros, gerente da Agência Sebrae Grande Natal.
Orientações sobre a legislação vigente e também sobre estratégias de marketing e vendas para o segmento podem ser obtidas por meio de consultorias, capacitações, palestras e cursos oferecidos pelo projeto “Alimentação fora do lar”,do Sebrae-RN. Essa iniciativa inclui serviços voltados para bares e restaurantes, padarias e outras empresas de processamento de alimentos.
Alguns dos serviços oferecidos pelo Sebrae são gratuitos, e outros têm parte do valor subsidiado pela agência. Opções de cursos virtuais sobre empreendedorismo podem ser encontradas no endereço: digital.rn.sebrae.com.br
“Nossa orientação para os empreendedores é que eles comuniquem bem os seus produtos. Nas mídias sociais, usem termos que auxiliem nos mecanismos de busca e também divulguem seu negócio para especialistas da área. O Sebrae-RN possui diferentes soluções para posicionamento de marca, desenvolvimento de embalagens e outras intervenções que podem ajudar no processo fabril. Atenção às necessidades do cliente é condição para que qualquer negócio prospere”, orienta Thales Medeiros.