O Painel Científico para a Amazônia (SPA), formado por mais de 200 cientistas e pesquisadores dos oito países amazônicos, têm um plano ambicioso: implementar um dos maiores programas de restauração florestal do mundo. O projeto visa recuperar um quarto dos 2 milhões de quilômetros quadrados desmatados e degradados em toda a Amazônia. A ação contemplaria dois distintos arcos onde a cobertura de floresta se encontra em estado crítico.
O primeiro é o Arco de Restauração do sul da Amazônia, que se estende da costa atlântica até a Amazônia boliviana – área que teve a pecuária como principal vetor de desmatamento. Cientistas já alertaram que a região, repleta de pastos abandonados, estaria emitindo mais CO2 do que absorvendo da atmosfera. Já o outro Arco da Restauração seria ao longo dos Andes, em territórios do Peru, Equador e Colômbia, onde os principais vetores de desmatamento são a mineração ilegal e a exploração de petróleo.
Os esforços para conter o avanço da degradação da Amazônia são urgentes, já que estudos apontam que a floresta tropical está próxima de um ponto de não retorno, quando um processo irreversível de savanização se consolidaria. Além de parar o desmatamento, é preciso reverter o estrago.
O primeiro anúncio do projeto ocorreu na COP 27 no Egito. De lá para cá, um dos grandes avanços da iniciativa foi o engajamento do BNDES como apoiador e financiador. Estima-se que cerca de 20 bilhões de dólares são necessários para iniciar o projeto em escala adequada.
Para o climatologista Carlos Nobres, uma das mentes à frente dos Arcos da Restauração, o suporte do BNDES pode mobilizar a entrada de outros parceiros financeiros. “O lançamento com o BNDES durante a COP28 pode induzir grandes financiamentos para dar escala para esta restauração”, avalia.
Desafios e entraves
A expectativa é que o processo de restauração dure 30 anos. “Numa restauração florestal bem-sucedida, após esse período o sistema já alcança a sua máxima produtividade em termos de remoção de carbono da atmosfera”, explica Nobre. À medida que a floresta ganha biomassa, aumenta também a diversidade de habitat e parte da fauna é restabelecida.
Ainda não existe acordo ou definição sobre quem realizaria atividades de plantio e monitoramento. Nobre aponta que seria necessário o envolvimento de universidades, institutos de tecnologia, viveiros, ONGs e empresas privadas com atuação na região.
“Também será importante o engajamento de povos indígenas e comunidades locais, que têm historicamente mantido a quase totalidade de suas florestas. Estas áreas de florestas facilitam a regeneração natural de áreas desmatadas e degradadas próximas a elas”, observa o climatologista. Estima-se que 160 mil km2 da área desmatada e abandonada na Amazônia brasileira está em processo avançado de regeneração natural.
As barreiras são muitas, incluindo custo e disponibilidade de insumos, baixa oferta de sementes e mudas nativas, falta de crédito para experimentos e assistência técnica insuficiente. Esse auspicioso projeto de restauração demandará a participação de produtores em propriedades públicas. O projeto apoiará restauração em áreas como Unidades de Conservação, Terras Indígenas e áreas públicas não destinadas. “O grande problema é que os produtores têm pouca experiência, baixo nível educacional, estão descapitalizados ou pouco motivados”, diz Nobre. Faltam agroindústrias para agregar valor aos produtos da restauração florestal.
Restaurar como área produtiva
Restauração ecológica significa a intervenção humana intencional em ecossistemas alterados ou degradados para desencadear, facilitar ou acelerar o processo natural de sucessão ecológica. Na prática, isso significa muito mais do que apenas plantar árvores.
Os sistemas agroflorestais são essenciais para essa transformação, pois, de acordo com Nobre, eles têm o potencial de gerar produtos com valor comercial que podem cobrir os custos do projeto e ainda gerar lucro. O pesquisador aponta que o projeto Arcos da Restauração pretende plantar espécies nativas frutíferas e de crescimento rápido, como açaí, andiroba, buriti, bacuri, cacau, castanha, cumaru, cupuaçu, grandiflorum, pupunha, entre outras.
Integrantes do painel Científico da Amazônia destacam que uma infraestrutura industrial básica é capaz de agregar valor aos produtos primários da agrofloresta, por meio de processos de despolpamento, prensagem, filtragem, desidratação, refrigeração e pasteurização.
“Por exemplo, os frutos de açaí são comprados a preços que variaram de R$ 1,2 a R$ 1,7 por quilo, enquanto a polpa pode ser comercializada por R$ 6,4 a R$ 10 e o óleo por R$ 250. As sementes de andiroba tem preço de compra entre R$ 1 e R$ 7,5 por quilo, e o óleo extraído dessas sementes atingiu valores de venda entre R$ 24 e R$ 30. No caso da castanha, as sementes frescas com casca foram compradas de R$ 1 a R$ 14 por quilo, enquanto as sementes desidratadas para consumo foram vendidas por R$ 50 por quilo”, exemplifica Nobre.
Por: Valentina Gindri