Por Gil Araújo e Lucas Aguiar
A luta antimanicomial no Brasil representa um movimento fundamental na transformação do tratamento de transtornos mentais, buscando substituir práticas hospitalares tradicionais por abordagens mais humanizadas e integradoras. Desde a década de 1980, o país tem testemunhado avanços significativos nesse campo, refletindo um compromisso crescente com os direitos humanos e a dignidade das pessoas que sofrem de transtornos mentais.
Apesar dos avanços, a luta antimanicomial no Brasil enfrenta diversos desafios. Um dos principais é a resistência cultural e a persistência de práticas institucionais ultrapassadas em algumas regiões. A falta de investimento adequado em serviços substitutivos, como os CAPS, também representa um entrave, comprometendo a efetividade da desinstitucionalização.
De mesmo modo, o estigma em relação aos transtornos mentais persiste, dificultando a plena inclusão das pessoas afetadas na sociedade. A falta de capacitação adequada para profissionais de saúde e a necessidade de conscientização da população sobre questões relacionadas à saúde mental são obstáculos a serem superados.
Apesar dos desafios, algumas iniciativas demonstram progresso significativo na luta antimanicomial. A expansão dos CAPS pelo país, oferecendo atendimento integral e comunitário, é um exemplo claro. Além disso, programas de reinserção social, como oficinas terapêuticas e moradias assistidas, têm contribuído para empoderar as pessoas com transtornos mentais, proporcionando-lhes autonomia e qualidade de vida.
A psicóloga Luana Sobral destaca a relevância da luta antimanicomial na promoção dos Direitos Humanos. Para ela, a luta antimanicomial propõe uma abordagem mais integrada, baseada na promoção da autonomia, na valorização das relações sociais e no respeito à subjetividade de cada pessoa. Isso não apenas resguarda os direitos humanos, mas também contribui para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais eficazes.
“A gente precisa entender que os direitos sociais apesar de estarem previstos em Lei não estão dados e garantidos, apesar de estarem na Constituição. A gente vive numa sociedade que tem uma lógica de punição repressiva e institucionalização das pessoas que são tidas como diferentes. Essa lógica [manicomial] ainda permanece muito viva.”, retratou.
De acordo com a psicóloga, a integração da arte na luta antimanicomial desempenha um papel vital ao oferecer uma abordagem terapêutica que vai além dos métodos tradicionais. A expressão artística proporciona um espaço seguro para indivíduos em tratamento psiquiátrico explorando suas emoções, pensamentos e experiências de maneira não verbal, transcendendo as barreiras linguísticas e ampliando as possibilidades de comunicação.
A criação artística contribui para a desconstrução de estigmas associados aos transtornos mentais, ao evidenciar a singularidade e a riqueza das narrativas pessoais. Ao participar de atividades artísticas, as pessoas encontram meios alternativos de expressão e empoderamento, fortalecendo sua autoestima e contribuindo para a construção de identidades independentes da condição mental.
“Infelizmente, as pessoas são inviabilizadas e associadas aos seus diagnósticos. Com a arte conseguimos acessar processos coletivos e individuais que permite que a promoção de saúde possa acontecer. O aspecto coletivo que a arte proporciona é que as pessoas se sintam valorizadas. A arte promove a socialização e a expressão da criatividade.”, afirmou.
No Rio Grande do Norte, a luta antimanicomial, assim como no contexto brasileiro, a atenção psicossocial a pessoas com transtornos mentais, incluindo aqueles relacionados ao uso de álcool e drogas, é regulamentada por diretrizes do Ministério da Saúde, visando oferecer cuidado abrangente. Contudo, ao examinar a interação das comunidades terapêuticas com a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), destaca-se a situação preocupante encontrada no Rio Grande do Norte.
No estado, segundo o Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, promovido pelo Conselho Federal da Psicologia, as comunidades terapêuticas relatam interações limitadas e esporádicas com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) locais. A dependência de transporte fornecido pela prefeitura, como uma Kombi, para levar os abrigados aos atendimentos no Caps I de São José de Mipibu, revela uma conexão frágil e sujeita a interrupções. As dificuldades no transporte impactam negativamente o acesso regular aos serviços de saúde, comprometendo o acompanhamento e tratamento adequado. Este cenário do RN exemplifica desafios específicos enfrentados por comunidades terapêuticas em estabelecer uma interlocução efetiva com a rede de saúde mental, evidenciando a necessidade de melhorias na articulação e na garantia de acesso consistente aos serviços essenciais.
“ARTE DA LOUCURA“
Alberto Medeiros, 56 anos, nascido em Caicó-RN, conta que sofreu um acidente na juventude quando trabalhava numa empresa de telefone. Logo após teve que lidar com tratamentos relacionados à sua saúde mental. Atualmente, Alberto transforma materiais recicláveis em obras de arte.Durante sua trajetória de lidar com transtornos mentais ele relata: “Já tive que lidar com muitos problemas, desde depressão à síndrome do pânico e com isso passei por muitos lugares e tratamentos que não funcionaram para o meu processo de cura”, explica.
“Na época do Caps eu era medicado, mas por vezes havia a falta de remédio dos que eu utilizava, o que, posteriormente, me gerou problemas como alcoolismo. No Centro de Convivência, onde frequento hoje, sinto como se fossemos pedras a serem lapidadas, vamos nos curando aos poucos, através da interação e do aprendizado. Me sinto valorizado aqui como nunca fui em nenhum espaço terapêutico que fiz parte antes. No Hospital Geral Dr. João Machado, por exemplo, recebi muitos diagnósticos e cheguei a tomar 18 medicamentos diariamente, questões que não fazem mais parte da minha vida hoje.”, finaliza Alberto.
Para Antonia da Silva, ex-paciente do Hospital João Machado: “O Centro de Convivência se tornou minha segunda casa, faço diversas oficinas de teatro, música, percussão, pintura, estou lá desde a inauguração e me sinto bem acolhida pela equipe de terapeutas e amizades que firmei no centro”. Antônia não dá muitos detalhes sobre sua passagem pelo João Machado, mas chega a comentar: “Fazia uso de muita medicação, diferente do centro que a conversa é o aspecto central do processo terapêutico”.
PESPECTIVAS
A promoção de políticas públicas que visam a educação e conscientização sobre saúde mental também tem sido uma ferramenta essencial na desconstrução de estigmas e na construção de uma sociedade mais inclusiva. A luta antimanicomial no Brasil é um processo em constante evolução, representando uma mudança profunda na abordagem aos transtornos mentais. Embora existam desafios a superar, os avanços indicam que o país está no caminho certo para promover uma sociedade mais justa e acolhedora para todas as pessoas, independentemente de sua condição de saúde mental. A consolidação desses avanços requer um esforço contínuo de diversos setores da sociedade, visando a plena realização dos princípios da reforma psiquiátrica e a garantia dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.