O número de pacientes que perderam o globo ocular após uma infecção bacteriana durante um mutirão de cirurgias de catarata em Parelhas, município localizado a 245 quilômetros de Natal, subiu para nove. A atualização ocorreu após uma reunião na manhã desta quinta-feira (17) com os 15 pacientes afetados, que apresentaram complicações após os procedimentos. Anteriormente, a confirmação era de que oito pessoas precisavam da remoção do globo ocular.
A reunião faz parte das investigações do Inquérito Civil aberto pela prefeitura. Dos 15 pacientes que enfrentaram complicações, 9 perderam o globo ocular, 4 realizaram cirurgia de vitrectomia e 2 estão em casa, recebendo acompanhamento, com mais de 80% da infecção tratada, mas ainda sem visão.
Conforme informado pela prefeitura, entre os pacientes afetados, há 8 homens e 7 mulheres, com idades variando de 43 a 80 anos. O mutirão ocorreu nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Dr. Graciliano Lordão, envolvendo um total de 48 pacientes. No primeiro dia, das 20 pessoas operadas, 15 desenvolveram endoftalmite, uma infecção ocular provocada pela bactéria Enterobacter cloacae.
Durante a reunião, os pacientes puderam compartilhar suas experiências, enquanto os representantes da prefeitura garantiram que o suporte e acompanhamento às famílias continuam sendo realizados. A prefeitura também comunicou que está providenciando próteses oculares e ofereceu apoio jurídico aos pacientes, garantindo que eles serão indenizados. Além disso, a prefeitura se comprometeu a auxiliar os advogados das famílias na busca por indenizações.
Manoel Marques Bezerra Neto, diretor da maternidade, declarou que não tem informações sobre como a empresa contratada para as cirurgias limpou os equipamentos antes do primeiro dia. Segundo ele, as cirurgias foram realizadas por uma empresa contratada pela prefeitura, que apenas utilizou o espaço do centro cirúrgico, e a responsabilidade pela limpeza e esterilização dos equipamentos não era da maternidade.
“Recebemos informações de que a empresa trouxe os materiais para a maternidade e solicitou a um funcionário que os colocasse na autoclave para esterilização”. No entanto, no segundo dia do mutirão, os materiais utilizados nas cirurgias foram limpos e esterilizados seguindo os protocolos da unidade de saúde.
Segundo o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), de fato houve uma falha na higienização e esterilização do ambiente cirúrgico. Embora ainda não seja possível determinar qual instrumento ou se foi uma falha na instrumentação da equipe, é certo que ocorreu uma falha na esterilização do ambiente. O MP afirmou que será necessário realizar uma análise técnica detalhada para entender o que falhou, o que dará continuidade à investigação.
A primeira fase do processo, a coleta de provas, foi concluída. Agora, a investigação entra na segunda fase, que envolve as oitivas. Serão ouvidas todas as testemunhas, começando pelas vítimas e, em seguida, pelas demais pessoas envolvidas no mutirão. O processo deve durar cerca de um ano.
O Ministério Público também anunciou a abertura de um procedimento para investigar o caso, informando que já houve uma reunião com a prefeitura e a Procuradoria do município.
A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, emitiu uma nota afirmando que o mutirão foi conduzido por um oftalmologista experiente, que seguiu todos os protocolos médicos e de segurança. A nota esclareceu que o mutirão foi realizado na maternidade a pedido do município e que todos os materiais utilizados foram lavados e enviados para esterilização.
Entretanto, a empresa não especificou onde a lavagem ocorreu e ressaltou que não houve registros de infecções em outras cirurgias realizadas. “O oftalmologista responsável pelas cirurgias em Parelhas/RN possui em seu histórico mais de 2.000 cirurgias realizadas com sucesso e satisfação, lamentando o ocorrido (em investigação)”, explica a nota.
Uma investigação da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) sugere que a infecção bacteriana pode ter sido resultante de falhas na higienização e esterilização. Diana Rêgo, coordenadora de Vigilância em Saúde, afirmou que os sintomas dos pacientes surgiram 48 horas após os procedimentos, indicando contaminação durante a cirurgia.
“Os problemas identificados estão relacionados à esterilização dos equipamentos e à higienização dos profissionais e do ambiente”, explicou ela. A Sesap também solicitou à prefeitura de Parelhas a confirmação da esterilização do material, o que pode ajudar a entender as diferenças entre os dois dias do mutirão, visto que apenas os pacientes do primeiro dia desenvolveram infecções.
A prefeitura de Parelhas também iniciou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades do ocorrido. Audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável já começaram, e o município enviou uma notificação à Oculare, exigindo esclarecimentos imediatos.
“A Prefeitura afirma que as cirurgias foram realizadas de acordo com a legalidade e que está assumindo todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários para os pacientes, incluindo consultas particulares, quando necessário, para garantir o melhor acompanhamento possível”, declarou a nota oficial do município.
A cabeleireira Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das participantes do mutirão realizado em 27 de setembro e teve que retirar o globo ocular devido a uma infecção. De acordo com um de seus filhos, mesmo após a cirurgia, a infecção se alastrou para a pálpebra, levando-a a precisar de internação para impedir que a bactéria atingisse o cérebro.