Mais de 529 mil brasileiras foram internadas para tratamento de varizes entre 2013 e 2022. O cálculo aponta que a cada hora, em média, seis mulheres são submetidas a cirurgias para tratamento do problema pela rede pública de saúde. Os números foram levantados pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV). Para a entidade, esses dados sinalizam que muitos casos represados durante a pandemia podem ainda não ter sido tratados.
O levantamento dos dados, elaborado a partir de informações disponíveis na base de dados do Ministério da Saúde, mostrou que as varizes são amplamente mais comuns em mulheres. Na série histórica analisada (2013 a 2022), 76% dos 695 mil casos registrados foram em pessoas do sexo feminino. Para Julio Cesar Peclat, presidente da SBACV, os cuidados relacionados às varizes estão inevitavelmente relacionados às preocupações com a saúde da mulher.
“Não se trata apenas de uma questão estética. Pelo contrário, sem o cuidado devido, às varizes implicam em perda de qualidade de vida, causando dores e desconforto. O problema compromete a rotina de milhares de brasileiras, podendo, ainda, evoluir para situações graves e de difícil reversão”, explica Peclat.
Pandemia – Com 45,8 mil mulheres internadas por varizes em 2022, último ano sobre o qual foi possível obter registros consolidados de 12 meses, o banco de dados do SUS registrou um aumento de 103,4% em comparação ao ano anterior (2021), quando 22,5 mil mulheres foram internadas pelo problema na rede pública.
No entanto, embora esse dado indique uma onda de recuperação dos casos represados durante a pandemia, o poder público precisa se esforçar para atingir os níveis registrados antes da crise, como avalia Mateus Borges, diretor de Publicações da SBACV. Isso porque o último número registrado é 26% menor do que a média de procedimentos que vinha sendo registrada ao longo dos anos.
“De 2013 a 2019, recorte da série histórica que não sofreu o impacto da covid-19, em média, 62 mil mulheres foram internadas a cada ano para tratamento da doença. A produção ambulatorial do primeiro ano pós crise (2022) é bem inferior à média registrada até 2019. Diante do histórico de suspensão de procedimentos eletivos durante as fases mais críticas da pandemia, não há motivos para avaliar a baixa como uma queda no número de casos, mas como um alerta para a necessidade ampliar o acesso das mulheres à assistência especializada”, observa Mateus Borges.
O apanhado revela que 2020 e 2021 foram os anos da série histórica com maior percentual de internações de caráter de urgência, em comparação ao número total de registros. Nesse período, 17% das internações não foram de caráter eletivo. Em todos os outros anos da série histórica, essa marca permaneceu abaixo dos 14%, como detalhado na tabela a seguir. O cenário sugere que muitas pacientes não contaram com suporte clínico e ambulatorial, tendo que recorrer ao atendimento emergencial em prontos-socorros devido à gravidade dos sinais e sintomas.
Cenário nacional – De acordo com os dados levantados, o acúmulo de internações registradas até dezembro de 2022 tem maior expressão nas regiões Sudeste e Sul, em números absolutos. A primeira, por exemplo, é responsável por mais de 56% de todas as notificações, com um montante de 297.097 mulheres submetidas a tratamento de varizes. Já no Sul, 120.524 mulheres foram internadas no mesmo período. Na sequência, vem a região Nordeste, com 64.741 registros; o Centro-Oeste, com 29.240; e o Norte, com 18.096. Na tabela abaixo, confira detalhes da série histórica por região.
Na comparação entre 2021 e 2022, o Brasil registrou um aumento de 103,4% na produção ambulatorial. No mesmo cálculo, a região que mais se destaca é o Sudeste, com aumento de 118%, seguida pelo Sul (116%); Centro-Oeste (73%); Nordeste (57%) e Norte (16%).
Estados – Embora o crescimento no número de internações de mulheres por varizes entre 2021 e 2022 seja uma realidade em todas as regiões do País, a variação percentual nesse período chama atenção em alguns estados. O Mato Grosso do Sul, por exemplo, foi a unidade federativa que mais registrou alta no número de internações, com crescimento de 451% na comparação entre o último ano da pandemia e o primeiro ano de normalidade nos sistemas de saúde, um salto de 82 para 452 registros.
Outros estados que mostram alterações expressivas no mesmo intervalo foram o Acre, com variação de 440%; Tocantins, com alta de 289%; e Paraná, com crescimento de 267% na comparação entre 2021 e 2022. Em contrapartida, Pará e Rondônia foram os únicos estados do País onde se observa queda no mesmo método de análise, com reduções de 27% e 4%, respectivamente. Contudo, isso pode ser sinal de subnotificação de casos. Confira mais detalhes sobre cada estado no quadro abaixo. No Rio Grande do Norte, em 10 anos, 6.360 internações de mulheres foram registradas pelo SUS.
Doença – As varizes são veias dilatadas, tortuosas e alongadas nos membros inferiores. Devido às alterações, as veias se tornam visíveis e deixam de conduzir o sangue de forma adequada, causando dores, desconforto e sensação de cansaço nas pernas. A doença é causada, sobretudo, por questões hereditárias, mas o tratamento adequado pode reduzir os sintomas e evitar a progressão do problema para doenças mais complexas, como as úlceras de estase.
“As varizes podem causar, além de sintomas como dor, sensação de peso, cansaço e queimação nas pernas, inchaço, sangramento, escurecimento da pele, flebites (que são tromboses venosas superficiais) e até mesmo elevar os riscos de desenvolver úlceras (feridas) em casos mais avançados. Mesmo que tenha a genética como o principal fator de risco, o aparecimento do problema pode estar associado também a outros fatores de risco como a obesidade, o sedentarismo, uso de medicações hormonais, atividade laboral, gestações e ao avanço da idade”, alerta Mateus Borges.
Embora seja um problema que não tem a idade como principal fator de risco, mulheres acima dos 40 anos estão 78% mais suscetíveis ao aparecimento de varizes. O levantamento revelou que pacientes com idades entre 50 e 59 anos concentram 28% dos casos, já mulheres com idades entre 40 e 49 anos são responsáveis por outros 27% dos registros.
Gravidade – De acordo com a Classificação Clínica, Etiológica, Anatômica e Patológica (CEAP), referência entre os angiologistas e cirurgiões vasculares para classificar o nível de gravidade de doenças venosas, os problemas que afetam as veias podem ir do nível C0 – menor gravidade, sem sinais visíveis de doença venosa, porém com possíveis sintomas – até o C6 – estágio mais grave, com úlcera aberta e ativa nos membros inferiores.
Além da CEAP, os médicos especialistas em varizes utilizam o Escore de Gravidade de Clínica Venosa (VCSS – sigla em Inglês) para entenderem como a situação das veias e os sintomas decorrentes comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Os casos são avaliados individualmente para saber como a doença venosa afeta a rotina, ajudando a definir o melhor tratamento.
Quando há indicação cirúrgica, o cirurgião vascular precisa recomendar o melhor tratamento de acordo com a necessidade do paciente. Independentemente da classificação de gravidade das varizes, ter um acompanhamento médico é essencial para evitar a evolução da doença. Estudos indicam que, no mundo, 80% da população pode chegar a ter estágios leves de doença venosa, 20% a 64% podem evoluir para graus mais altos e, entre 1% e 5% chegam a casos severos. Entretanto, no Brasil, o último estágio varia entre 15% a 20%.