Julianne Barreto e Lucas Aguiar
Os dias na Ribeira são intensos de cultura. Para quem aprecia as diferentes expressões de arte, o bairro é o lugar para encontrar a programação desejada, de segunda a sexta-feira, ou apenas para o final de semana. Para encerrar o ano, a Casa da Ribeira promete muita efervescência artística no palco. É a quarta edição do Festival Internacional Casa da Ribeira (FICA), que terá como tema ” A arte da cena e do ser”. O evento ocorrerá entre os dias 26 a 29 dezembro.


“O FICA começou em 2018 com a ideia de trazer atrações daqui e de fora do país, sempre num processo de troca, de intercâmbio, de articulação com os grupos e artistas daqui. A gente sempre teve, desde a primeira edição, oficinas, workshops, residências, coisas, espaços de formação que vão para além da fruição da apresentação.”, destacou o gestor cultural da Casa da Ribeira, Henrique Fontes.
Com debates e oficinas gratuitos para atores, o festival será realizado na sede da Casa da Ribeira. Um charmoso casarão centenário, localizado na rua Frei Miguelinho.
“Nesses anos todos a Ribeira sempre foi um bairro de referência para criatividade e para obras que estavam em elaboração do teatro, da dança, da música, do cinema. A própria Casa tem sido abrigo de muitas dessas linguagens de processos exclusivos. Eu vejo a Ribeira como uma referência para os artistas daqui.”, finalizou.


Há 23 anos, o desejo de produzir, apreciar e ensinar arte foi, inclusive, um dos estímulos e depois missão para a criação da casa que é, hoje, um dos principais pontos de cultura e formação de atores em Natal. Além disso, de um espaço permanente de apresentações de dança e teatro e de exibição de produções audiovisuais. Já abrigou quase 3 mil espetáculos.
De acordo com o gestor, que também é ator e dramaturgo, a Ribeira foi escolhida como local para sediar a Casa em 1997, porque acontecia um processo de muita efervescência cultural, como já se via em outros processos de revitalização. Mas que o grupo entendia o bairro não apenas como um território criativo, mas também como um território onde a economia criativa fosse referência para o resto da cidade.
“Não só do ponto de vista da festa ou das baladas, mas de atrelar o valor cultural do bairro histórico ao entretenimento.”, disse.
O estudante e produtor cultural Erick Allan diz que o espaço é um ótimo ambiente para assistir apresentações mais intimistas.
“Gosto muito e acredito que deva ser mais valorizado. É um dos poucos que continuou vivo culturalmente enquanto o bairro da Ribeira estava inevitavelmente se esvaziando de espaços culturais e casas de shows.”, considerou.


DoSol e da Ribeira
A realização de ações culturais, como festivais de música, cinema e teatro na Ribeira tem sido uma constante nos últimos anos. Iniciativa que tem atraído públicos de diferentes idades para o bairro e de passado importante para cultura, história e economia da capital potiguar.
Jovens que não viveram esse passado contado em livros e reportagens, mas que criam na memória imagens sobre a importância da Ribeira. Experiências que contribuírem para a criação de uma nova identidade importante para o presente e futuro do bairro.


“Frequentando a Ribeira e eventos como o Festival DoSol pude conhecer na minha cidade bandas que faziam sons parecidos com aqueles que eu via na TV nos videoclipes e programas, só que com a identidade potiguar, o que foi ainda mais impressionante pra mim. Eu diria que a Ribeira abriu meu horizonte em relação à música autoral potiguar. Importantíssimo.”, afirma Erick Allan, produtor audiovisual.
Foi justamente o que Allan viu acontecer nos últimos dias do mês de novembro. O Festival DoSol levou centenas de amantes do rock e da música indie ao bairro histórico e a rua Chile foi tomada por muitos ritmos em cinco palcos diferentes. Depois de duas décadas, o famoso festival voltou para o bairro onde foi realizado pela primeira vez. Um retorno à boemia da Ribeira que parecia um retorno ao auge cultural da rua Chile, nos anos 2000.
“O DoSol voltar para Ribeira é um resgate da movimentação cultural no bairro e um reconhecimento do próprio festival às suas origens e valorização do bairro enquanto pólo histórico e cultural da cidade”.
Hoje, aos 30 anos de idade, o produtor audiovisual conta que aproveitar os shows do DoSol na rua Chile foi trazer de volta à memória da adolescência, da época em que estava começando a criar identidade enquanto consumidor de música.


Em 21 anos, o Festival DoSol se consolidou como um evento que traz um panorama de novos talentos e também como uma oportunidade de acompanhar shows de artistas consolidados do cenário musical da cidade e do país. Na edição deste ano, o DoSol trouxe de volta à Rua Chile nomes como Dusouto (RN), Far From Alaska (RN) e Mombojó (PE). O festival aconteceu entre os dias 22 e 30 de novembro na Ribeira e até o dia 07 de dezembro, na sede do projeto, no bairro de Lagoa Nova. Durante todo o festival, foram mais de 50 apresentações de artistas locais e nacionais.
“Quando penso na Ribeira também penso em boemia e poesia. Até mesmo quando está vazia, a Ribeira e sua estrutura arquitetônica de prédios históricos passam a vibe de cultura e arte, pelo menos no meu inconsciente.”, revelou.
Onde a arte vive e resiste em Natal
O cenário do bairro cheio de prédios tombados com fachadas elegantes também é em si um convite à apreciação das artes. O Iluminado e imponente Teatro Alberto Maranhão mostra a quem passa pela praça Augusto Severo que a cultura é a protagonista no bairro que resiste principalmente por meio dela. O primeiro teatro público construído no estado, e reaberto em 2021, está localizado no coração do bairro da Ribeira, o teatro continua a ser um pilar fundamental para a cultura potiguar.


O teatro elegante, construído no estilo art noveau no final do século XX com o objetivo de ser uma alternativa de interação social para a população em crescimento na capital, segue firme na missão de contar histórias para quem vai até a Ribeira. Hoje, é necessário entrar na fila para apresentar um espetáculo nos palcos do Teatro Alberto Maranhão. Erick Allan é um frequentador assíduo do teatro potiguar que luta há anos para ser fortalecido.
“O TAM é um espaço clássico que já recebeu diversas peças e apresentações importantes. Existir esse espaço na Ribeira é uma forma de democratização do Teatro Potiguar para o público, tendo em vista o preço muitas vezes mais acessível do que teatros em shoppings mais elitizados, por exemplo.”, disse.
Com sua capacidade de 600 lugares, o teatro, que tem uma média de público de 330 pessoas por evento, é um espaço de destaque para as artes no Rio Grande do Norte. De acordo com o diretor da casa, Ronaldo Costa, o teatro mantém sua programação cheia, com uma média de 25 apresentações mensais, que se intensificam nos últimos meses do ano, com espetáculos diários.


O retorno da plateia após os desafios impostos pela pandemia tem sido um reflexo não apenas da resiliência da cultura local, mas também das mudanças na infraestrutura da região, que, apesar das dificuldades de segurança pública e transporte, continua a atrair o público.
“As pessoas têm demonstrado uma grande fidelidade ao TAM, mesmo com todos os problemas estruturais na Ribeira”, afirmou o diretor, destacando que a organização do entorno do teatro, com ambulantes oferecendo alimentos e bebidas aos visitantes, têm contribuído para o fortalecimento da vida cultural e econômica local.
Uma demanda de produções culturais acumulada por causa do período de restauração do prédio e também por ser atualmente o único teatro público em funcionamento na cidade. A agenda cheia de espetáculos de música, dança e artes cênicas tem levado o natalense a incluir o bairro da Ribeira nos destinos escolhidos para aproveitar as horas de lazer com a família e amigos.
A revalorização da cultura potiguar se reflete no número crescente de apresentações e na qualidade dos espetáculos oferecidos. Esse fenômeno também é impulsionado pelos incentivos federais, como as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo, que têm sido fundamentais para a recuperação e o fortalecimento da economia criativa no Brasil. Ronaldo destacou ainda que o TAM é o único teatro público subsidiado pelo Estado na região metropolitana de Natal, o que possibilita que artistas locais se apresentem em condições mais acessíveis e com custos mais baixos. Ele ainda ressaltou que a casa se consolidou como a principal opção para os artistas potiguares, que encontram no TAM um espaço de visibilidade e profissionalismo.


A história do Teatro Alberto Maranhão remonta a 1904, quando foi construído no contexto de efervescência cultural e comercial da Ribeira, que era um dos principais pólos da cidade. Desde então, o TAM se manteve como um centro de difusão cultural, sendo a casa do artista potiguar. O diretor explicou que, embora o teatro tenha passado por diversas transformações ao longo dos anos, ele continua a ser um símbolo importante para a arte potiguar, com uma programação que inclui projetos escolares, que buscam dialogar com o conteúdo pedagógico das escolas e fomentar a formação de novas gerações de apreciadores de teatro.
Em termos de infraestrutura, o Teatro Alberto Maranhão se destaca não apenas pela sua importância histórica, mas também pela modernização que recebeu nos últimos anos. Com um dos sistemas de sonorização e iluminação mais avançados do Nordeste, o TAM hoje oferece uma experiência de alta qualidade para artistas e público.
“O teatro é um dos mais bem equipados da região, e a pauta acessível para os artistas locais estimula a continuidade da produção cultural”, afirmou Ronaldo.
Além disso, o impacto do TAM vai além dos seus muros, promovendo uma transformação no próprio bairro da Ribeira.
“O teatro ainda é um centro organizador da Ribeira. Sua presença ilumina o bairro e traz segurança para o entorno”, disse o diretor, destacando que a região tem vivenciado reformas importantes, como na praça e no prédio vizinho da Faculdade de Direito. “Essa estruturação do entorno, que gira em torno da organização do teatro, é essencial para o desenvolvimento do bairro.”
A cultura como impulso para a revitalização e economia
A relação entre memória e identidade e a revitalização de centros históricos por meio de ações culturais é objeto de estudo da arquiteta Maísa Veloso, pesquisadora do Departamento de Arquitetura da UFRN. Em um artigo, publicado no ano de 2011, ela analisou a importância de ações permanentes e pontuais de arte no bairro da Ribeira e suas implicações para a preservação e atratividade do bairro histórico.


”A Ribeira é, sim, um bairro muito importante, historicamente. Tem memória, tem história, tem pessoas que se interessam por sua revitalização”, afirma.
Para a arquiteta, o empreendedorismo cultural tem se mostrado a estratégia mais eficiente para atração de pessoas para o bairro e também para um efeito multiplicador de novas ações na Ribeira. Maísa observa que, apesar da grande concentração de eventos culturais em outros polos da cidade, como Ponta Negra e Cidade Alta, e até grandes eventos como o Carnatal, em torno da Arena das Dunas, a Ribeira continua sendo um importante polo cultural.
“Principalmente em relação à sua tradição de boemia e à presença de músicos, artistas e poetas, que ainda mantêm um grande afeto pelo bairro.”
Porém, a estudiosa também acredita que a revitalização da Ribeira não deve se limitar a eventos culturais, mas também investimentos em infraestrutura urbana, segurança pública e o incentivo ao desenvolvimento econômico local.
“Se somos uma sociedade que preza pelo desenvolvimento sustentável, a recuperação do patrimônio histórico já existente é um passo importante”, comenta.
Ela acredita que a preservação e a recuperação da arquitetura histórica da região, por exemplo, são caminhos importantes.
“Esses prédios têm valor histórico e, se preservados, podem contribuir para o turismo cultural e para a visitação ao bairro. A melhor forma de preservar o patrimônio é manter essas edificações em uso, com pessoas morando e trabalhando ”, explica a pesquisadora.
Caminhos para a Ribeira do presente e do futuro
Edificações centenárias, que mesmo sem a conservação adequada, abrigam dezenas de lojas do setor de comércio e serviços por diferentes motivos. Como, por exemplo, a proximidade com o porto e as empresas de produção de pescado, como também o baixo valor de aluguel em relação a outros bairros da zona leste da capital.
A rua Doutor Barata, por exemplo, é conhecida pela presença de lojas de conserto de peças, e de bombas e artigos de pesca. já a rua Chile é marcada pela presença de bares, restaurantes e casas de show, que vão ser procurados por quem trabalha na região e também por moradores de outros bairros que se deslocam em busca do clima boêmio e solitário da Ribeira.
Dados da Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Norte (Jucern) revelaram que nos 10 últimos anos, foram abertas 572 empresas no bairro da Ribeira. A análise do período aponta um crescimento de 30,65% nos últimos cinco anos. De 2014 a 2018, foram abertas 248 empresas; nos cinco anos seguintes, 324 novas empresas foram abertas no bairro.
Conforme os dados apresentados, o setor de Serviços é o que mais se destaca em termos de abertura de empresas, liderando em todos os anos analisados, com um total de 292 novas empresas ao longo dos 10 anos. Os anos de 2021 e 2023 foram particularmente significativos, com 45 e 38 aberturas, respectivamente. Isso indica uma alta demanda por serviços na região. Quando analisado de forma percentual, o setor de Serviços representa 51,05% do total de novas empresas na Ribeira. O Comércio corresponde a 27,80%, enquanto a Indústria responde por 21,15%.
“Os números mostram uma tendência de crescimento no setor de serviço e também no de comércio na Ribeira, o que segue uma tendência no estado. Como é um bairro mais distante do polo turístico e de belezas naturais, acredito que um caminho eficiente para o empreendedorismo na Ribeira seja o de projetos que unam gastronomia e cultura. Isso pela quantidade de eventos culturais e também pela proximidade com o porto e a produção de pescados” reforça Carlos Augusto Maia, presidente da Jucern.
A importância de projetos integrados para a revitalização da Ribeira deve ser além da união de segmentos de atividades. Para a arquiteta Maísa Veloso, essas iniciativas devem unir públicos, da iniciativa privada e da sociedade como um todo.
“Não podemos depender apenas de recursos públicos. Parcerias com a iniciativa privada, como aconteceu com o polo de informática em Recife, são essenciais para a revitalização de centros históricos”.