Uma das regras humanas é que o lado esquerdo do nosso corpo não é igual ao direito. Essa predisposição atinge vários aspectos – um deles, o possível tamanho diferente do comprimento das pernas, atinge mais da metade da população. O nome dessa condição é dismetria de membros inferiores e, a depender da situação, pode gerar dores, disfunções através de compensações musculares ou até mesmo deformidades estruturais. Portanto, um diagnóstico rápido e acessível para essa situação pode contribuir para um cotidiano muito mais saudável.
Foi esse raciocínio que moveu um grupo de quatro cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), dentre fisioterapeutas e educadores físicos, a desenvolver um equipamento útil para mensurar a diferença de tamanho entre os membros inferiores de uma forma funcional a um custo muito mais baixo. Esse é o ponto realçado por Leonardo Dantas Rebouças da Silva, um dos inventores envolvidos, para quem o eixo norteador do dispositivo é atender um maior número de pessoas, com qualidade e eficiência.
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, ele identifica que a diferença de comprimento pode causar disfunção exagerada em joelhos e tornozelos, desgaste prematuro das articulações e problemas de equilíbrio. Trazendo para o nosso cotidiano, quem nunca ouviu de um familiar, conhecido ou amigo, que tem um desgaste em apenas um dos joelhos ou quadris? Como explicar, se os dois joelhos têm o mesmo tempo de vida? Já se perguntaram? Óbvio que a situação mantém relação com outras condições.
O interessante aqui é refletir: do que isso é resultado? Em uma situação de ‘perna menor-perna maior’, o corpo humano faz processos de adaptações na tentativa de distribuir o peso uniformemente para os seus pés e joelhos. Nesse caso, usualmente provoca pequenas tensões e torções, podendo começar no pé, subindo para joelhos, quadris, pelve e coluna (principalmente da lombar), podendo chegar até a região cervical.
“Percebe-se aí a necessidade de identificar a informação e proceder, em seguida, com uma conduta terapêutica adequada. O nosso dispositivo tem uma importância muito grande do ponto de vista social, porque ele mensura a existência de diferença entre o tamanho das pernas de uma forma muito mais barata, tendo em vista que hoje o padrão é um exame de imagem chamado raio X. Então, o equipamento tem como importância popularizar esse tipo de exame e atingir um maior número de pessoas”, salienta Leonardo Rebouças.
Comumente, no procedimento “tradicional”, é realizada a captura de imagens ósseas dos membros inferiores e, em seguida, são realizadas quatro medições dessas estruturas em ambos os membros, o que se denomina escanometria. Além disso, na captação dessas imagens há emissão de radiação que, apesar de baixos níveis, pode ser nociva para a saúde.
Por sua vez, o equipamento patenteado pelo grupo é composto de apenas dois elementos. Um deles é um objeto com estrutura retangular, que pode ser confeccionada preferencialmente em madeira, metal, plástico ou outro material similar que tenha capacidade de sustentar o peso de um indivíduo adulto. O segundo componente é responsável por identificar a diferença estrutural do corpo do avaliado, ou seja, é a parte que irá ficar posicionada nos pontos anatômicos previamente determinados. O teste é realizado a partir da fixação do dispositivo no corpo do indivíduo.
Denominado “Dispositivo para avaliação funcional de discrepância de membros inferiores”, a patente tem como autores Paulo Moreira Silva Dantas, José Carlos Gomes da Silva e Scheila Marisa Pinheiro, além de Leonardo Dantas Rebouças da Silva. O grupo descreve que o protótipo é o produto aplicado de uma dissertação de mestrado e já está sendo aplicado de uma forma experimental em alguns pacientes.
“A gente tem testado, validado e comparado. A nossa invenção pode ser aplicada em lugares que têm prestação de serviço de saúde para as pessoas, sobretudo um atendimento com características ortopédicas, tais quais clínicas de ortopedia e locais de reabilitação, e que têm a necessidade de mensurar a existência ou não de uma diferença entre tamanhos de pernas, tendo em vista que, quando isso acontece, quando existe essa diferença, o prejuízo biomecânico acontece e é refletido na questão das dores crônicas”, frisa Leonardo.
Variáveis biodinâmicas e tecnologia assistiva
Quando Leonardo usa o plural em suas explicações, não é por acaso. É um plural que remete à quantidade de pessoas, número de ações e de patentes de um grupo de pesquisa: o de Atividade Física e Saúde (Afisa). Formado pela aliança entre graduandos em Educação Física, Fisioterapia e Nutrição, além de mestres e doutores em Educação Física e em Ciências da Saúde, a Afisa tem como base de sustentação seis linhas de pesquisa: saúde e indicadores biofísicos e culturais na motricidade humana; atividade física e qualidade de vida em portadores de necessidades especiais; atividade física, qualidade de vida e estilo de vida; descoberta de talentos esportivos; herdabilidade e aptidão física; e bioquímica da nutrição no contexto do exercício.
A junção de teoria e prática, ensino, extensão e pesquisa, casada com a inclinação de enxergar a inovação como aspecto de crescimento da importância científica da instituição, contribuiu para a existência de um rol de novas tecnologias que se alargou a ponto de despertar o interesse de grupos europeus pelas pesquisas desenvolvidas.
“No momento, nós estamos desenvolvendo vários equipamentos, vários processos tanto de avaliação quanto de tratamento e alguns têm relevância, têm relação com esse equipamento e outros não. Então a gente não foca apenas em um equipamento, a gente foca em soluções, tendo em vista que o nosso grupo é um grupo de estudos e pesquisas em tecnologias de saúde. Então estamos também com outras demandas, de outros problemas, que a gente está desenvolvendo outras soluções”, descreve Paulo Moreira Silva Dantas, que, ao lado de Breno Tinoco Cabral, coordena o grupo.