Uma nova tecnologia com potencial de eficiência para melhorar o processo de concretagem na construção civil acaba de ser desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Baseada em uma Inteligência Artificial (IA), o protótipo da invenção apresentou um grau de proximidade de 99% entre o valor obtido experimentalmente e o valor real da medição do grau de fluidez do concreto. Esse valor é significativo quando considerado que o controle convencional do procedimento é feito de forma visual.
É o que destaca Raphael José Rodrigues Torres, um dos cientistas responsáveis pelo estudo que resultou no depósito de pedido de patente do produto. Ele explica que os caminhões betoneira, que levam o concreto para as obras, precisam misturar os materiais, incluindo a água, em um processo chamado redosagem. Em seguida, o motorista do caminhão precisa olhar o concreto e ver se ele está no grau de fluidez correto, denominado slump. “Esse processo é visual, quase um achismo, baseado em grande parte na experiência do motorista. O que patenteamos foi uma Inteligência Artificial capaz de fazer esse processo de forma automática, reduzindo erros e custos de produção”, realça.
Segundo o doutorando, esses benefícios são alcançados reduzindo o tempo de redosagem, bastando o motorista apontar uma câmera para o fundo do balão da betoneira e a tecnologia identifica quase que instantaneamente o slump do concreto. A única variável analisada será o desenho formado pelo concreto durante a redosagem, quando o caminhão está em alta rotação, e com o balão girando. As ondulações formadas no material diferem por faixa de grau de fluidez, independente do volume da betoneira, ou padrão do traço, o que torna o processo de aferição e análise mais prático e assertivo. O sistema coleta as imagens necessárias para o reconhecimento dos padrões e indica, com exatidão, o slump encontrado no momento da redosagem, proporcionando maior segurança na colocação da água. Caso ele identifique o cumprimento para o que foi estabelecido pela obra, finaliza-se o processo; caso contrário, realiza-se a adição da água, e nova leitura após a correção.
“Mantemos a lógica do processo de redosagem, onde o motorista já avalia as ondulações formadas, porém, altera-se o processo de análise, que hoje é pautada no ser humano, pela análise computacional, que servirá de suporte para a tomada de decisão, e que acarretará uma grande redução na margem de erro no processo. A saída dos dados poderá ser acompanhada pelo balanceiro da unidade, através das informações disponibilizadas no software”, reforça.
Raphael Torres pontua que a problemática da incorporação da água na redosagem é um fator de grande preocupação para as centrais dosadoras de concreto, já que quase todo o processo de pesagem, atualmente já automatizado, fica em xeque ao repassar a responsabilidade pela colocação da folga d´água, a redosagem em si, ao operador de betoneira, que precisa executar tal etapa em tempo hábil e com a devida atenção, para evitar excessos.
“Com o maior controle do grau de fluidez é possível reduzir o tempo gasto na usina de concreto, liberando o caminhão para a obra mais rapidamente, consequentemente, reduz o consumo de diesel. Outro ponto importante, quando o caminhão chega na obra, é necessária a conferência do slump desse concreto. Caso esteja fora de conformidade, o concreto é devolvido e descartado pela concreteira, acarretando custos. Na pior das hipóteses, caso utilizem o concreto fora de conformidade, teremos um material com menor resistência, colocando em risco a estrutura da residência, ou mesmo de um prédio, demandando um reforço estrutural, que normalmente traz um prejuízo para a concreteira na cifra dos milhares, e às vezes milhão de reais. Geraremos uma economia real, melhorando a competitividade das concreteiras”, ratifica o estudante.
O estudo que gerou o pedido de patente “Sistema e processo de automatização do processo de redosagem” é fruto do seu mestrado no Programa de Ciência, Tecnologia e Inovação, da Escola de Ciência e Tecnologia da UFRN. Ao lado dele, também atuaram no desenvolvimento da invenção os docentes Aquiles Medeiros Filgueira Burlamaqui e Orivaldo Vieira de Santana Júnior. O primeiro identifica que o software usado utiliza machine learning, mais especificamente redes convolucionais. “A rede inclui camadas de detecção de recursos, com um pré-processamento da imagem mais enxuto, e redução para padrões mais simples, sem perder recursos que contribuam para a melhor previsibilidade de estruturas complexas, acarretando a leitura do grau de fluidez com maior precisão, em um fluxo de trabalho que observamos ser bem aceito pela concreteira, de fácil utilização e com resultados fidedignos”, pontua o professor da Escola de Ciência e Tecnologia (ECT).
As redes convolucionais simulam as práticas de identificação visual atual, sendo mais vantajosa que outras metodologias por não demandar instalação de sensores no caminhão betoneira e ter menos variáveis envolvidas, o que acarretará maior assertividade no processo de predição. “O software pode ser instalado em multiplataformas, como aparelho celular, tablet ou câmera acoplada ao redosador”, acrescenta Burlamaqui.
Ao mercado
Atualmente vinculado ao Departamento de Bioinformática, no doutorado, Raphael Torres ressalta que o passo seguinte é a busca de parceiros que queiram desenvolver o produto. Ele conta inclusive que já há um plano de comercialização e de ganhos recorrentes elaborado. “Quando estudante, atuei na área de construção civil, como líder de concreteira, e essa era uma ‘dor’ que identifiquei em todas as lideranças do Brasil. A partir da identificação do problema, amadureci a linha de negócio, fiz a validação da tecnologia e segui para apresentação comercial, indo aos estados de São Paulo e Minas Gerais para conversar com as maiores empresas da área do país, para saber se era algo viável e comercializável. As respostas foram sempre positivas, o que nos animou. O que é necessário no momento é um sócio desenvolvedor, ou de um comprador da ideia, para que possamos sair do protótipo diretamente para o mercado”, destaca.
O pedido de patente dessa ferramenta passa a integrar o portfólio da vitrine tecnológica da UFRN, invenções que podem ser acessadas através do endereço www.agir.ufrn.br. A patente em si é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores, autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Assim, o depósito de pedido de patente é o primeiro passo para garantir direitos de comercialização exclusiva, por um determinado período, de uma nova invenção com aplicação industrial.
A proteção das tecnologias desenvolvidas por inventores da UFRN tem como objetivo resguardar os direitos patrimoniais da instituição frente aos investimentos intelectuais e financeiros despendidos durante o seu desenvolvimento, mas também permitir que estes novos produtos e processos sejam licenciados por empresas que possam explorá-los comercialmente, gerando recursos para a instituição na forma de royalties que novamente serão investidos em inovação.