Uma nova tecnologia, fruto de uma proteína multifuncional isolada das sementes de tamarindo (ITTp 56/287) e que pode vir a ser utilizada como potencial agente anti-SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19, foi desenvolvida por cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do norte (UFRN) e teve como resultado um pedido de depósito de patente no mês de outubro. Essa tecnologia são peptídeos teóricos – pequenas moléculas – desenhados pelos pesquisadores da Universidade e que apresentaram esse potencial de defesa por serem capazes de interagir com a serino protease transmembranar 2 (TMPRSS2), uma enzima responsável por facilitar a entrada do SARS-CoV-2 na célula do hospedeiro.
Vinculado ao Programa de Pós Graduação em Bioquímica e Biologia Molecular e ao grupo de pesquisa Nutrição e Substâncias Bioativas para Saúde (NutriSBioativoS), o estudo que deu origem ao patenteamento contou com a colaboração do Laboratório Grupo de Química Teórica (GQT) da UFC e a participação de Anna Beatriz Santana Luz e Ana Heloneida de Araújo Morais, ambas nutricionistas e professoras da UFRN, além da colaboração de Norberto de Kássio Vieira Monteiro, co-orientador da tese e professor do Departamento de Química Analítica e Físico-Química da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A primeira, na época da pesquisa, aluna de doutorado, contribuiu com a coleta, análise e interpretação dos dados in silico (usando simulação computacional), geração das figuras e elaboração do relatório descritivo, enquanto que a segunda, além de orientar propriamente a tese, contribuiu com a concepção e desenho do estudo, obtenção de recursos financeiros e redação crítica – revisão e edição do documento. As análises de dinâmica molecular dos peptídeos com a TMPRSS2 foram desenvolvidas no GQT.
As pesquisadoras da UFRN identificam que o ITT, molécula que deu origem aos peptídeos teóricos, tem demonstrado, em estudos recentes, atuação em diferentes mecanismos que envolvem o controle de enzimas e hormônios e seus efeitos relacionados, como redução do consumo alimentar e ganho de peso, melhora do perfil lipídico e redução do processo inflamatório associado à obesidade, independentemente da perda de peso.
Anna Beatriz explica que a proteína ITTp 56/287, encontrada no tamarindo, apresenta uma sequência de aminoácidos e estrutura 3D definidas e tem sido bastante analisada in silico quanto à energia potencial de interação com diversas estruturas proteicas, entre elas receptores de membrana, bicamada lipídica de bactérias e a tripsina, uma serinoprotease, assim como a TMPRSS2. Os receptores são proteínas localizadas na membrana celular que facilitam a junção com substâncias específicas, enquanto que a bicamada contém em si várias proteínas inseridas e as proteases são enzimas com poder de “hidrolisar proteínas” e amplamente usadas nas indústrias químicas, farmacêuticas e de alimentos, por exemplo.
“Diante disso, a prospecção de peptídeos derivados dessa proteína também torna-se uma estratégia promissora, tendo em vista essas possibilidades de interação. É importante frisar que os peptídeos foram obtidos por análises in silico e estão prontos para ser sintetizados, visando à realização de estudos futuros in vitro e in vivo”, enfatiza a hoje professora da Faculdade de Ciências da Saúde (Facisa), unidade localizada no Campus de Santa Cruz-RN.
Por sua vez, Ana Morais acrescenta que a tecnologia patenteada, a qual recebeu o nome Sequência e aplicação de produtos de clivagem do modelo teórico do inibidor de tripsina purificado de sementes de tamarindo (ittp 56/287) e seus análogos com atividade inibitória para tmprss2, foi obtida a partir da proteólise (processo de degradação de proteínas usando enzimas) do ITTp 56/287 e da substituição de aminoácidos nas estruturas primárias desses produtos oriundos da proteólise. “Tecnicamente, são peptídeos nativos provenientes da clivagem do modelo teórico mais estável, de número 56 e conformação 287 do inibidor de tripsina purificado de sementes de tamarindo e seus respectivos análogos. Em outras palavras, fazendo uma analogia, quer dizer que a proteína que representa um colar de pérolas, ao ser quebrado, vai dar origem a vários fragmentos de pérolas, sendo esses os peptídeos nativos obtidos por análises in silico, e, ao substituir algumas pérolas por diamantes, obtêm-se os peptídeos denominados análogos”, esclarece a docente do Departamento de Nutrição.
O depósito do pedido de patente é uma forma de reconhecimento do esforço inventivo e por isso garante ao seu proprietário direitos exclusivos sobre a invenção. Ele é uma propriedade temporária, legalmente concedida pelo Estado sobre uma invenção ou modelo de utilidade, formado por um conjunto de procedimentos sequenciais por meio dos quais o requerente dá entrada no pedido de obtenção de direitos sobre uma criação que pode ser produzida industrialmente. No Brasil, o órgão responsável é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). O processo, após o depósito de patente feito pelo requerente, consiste na análise do pedido de registro e na concessão do direito, caso haja conformidade do pedido com os requisitos formais e legais.
“Sabe-se que o ambiente acadêmico naturalmente está associado a novas descobertas científicas e tecnológicas, sendo bastante propício ao desenvolvimento de patentes, que constituem uma parcela importante da informação tecnológica com base científica e de acesso aberto em bancos de patentes. Ademais, a universidade possibilita ao pesquisador/inventor, por meio de infraestrutura, parcerias e recursos financeiros, a busca por uma nova solução mais vantajosa frente a determinado problema social”, defende Anna Beatriz.
Como efeito colateral, a partir da proteção da autoria intelectual, a ideia é que aconteça o incentivo aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Pensando nisso, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) criou em 2022 a sua primeira Política de Inovação, a qual estava prevista no Plano de Desenvolvimento Institucional 2020-2029 (PDI), já com a perspectiva de se estruturar em quatro eixos norteadores: disseminação da prática da inovação e do empreendedorismo, estratégias de fortalecimento da propriedade intelectual, transferência de tecnologia e inovação no ensino.
O diretor da Agência de Inovação da instituição (Agir/UFRN), Daniel de Lima Pontes, frisa que um dos aspectos diferenciados do documento é justamente a explicitação da atuação institucional no ambiente produtivo. “Embora seja algo que já ocorra, não havia nada escrito enfatizando e delimitando aspectos sobre a Universidade atuar no ambiente produtivo local, regional, nacional ou internacional”, salienta.
Outro ponto relevante é que a Resolução 135/2018 está totalmente revogada, o que significa que as deliberações sobre gestão da propriedade intelectual terão como ponto principal o teor do que a Política de Inovação possui entre os artigos 43 e 73. “A alteração principal aqui está no artigo 60, que trata da divisão de eventuais royalties provenientes de transferências de tecnologias. Como uma forma de estimular o envolvimento das unidades no apoio ao desenvolvimento de novas tecnologias por parte dos seus pesquisadores, a gestão optou por compartilhar os possíveis valores com as unidades executoras, enquanto que a resolução anterior previa a repartição dos royalties apenas entre inventores e a Agir”, explica Pontes.
* Wilson Galvão – AGIR/UFRN